Preservar ou Demolir? Minha Experiência Como Arquiteta

Faz pelo menos 20 anos que tenho contato com obras. Desde que comecei a fazer estágios sempre me interessei por esse seguimento. E ao longo de todos estes anos pude observar a mudança de pensamento dos profissionais e da própria sociedade.

Piso super tradicional em São Paulo é a cerâmica São Caetano. 
Não tem uma casa de Vó que não tenha um ambiente revestido com ele.


Antes a gente chegava para visitar o espaço e praticamente tudo que estava lá era demolido e/ou descartado. Minha maior experiência foi com o universo corporativo. As grandes multinacionais contratavam os escritórios de arquitetura para reformar seu espaço em São Paulo, e durante anos eu vi essa cena se repetir. Trabalhei também com interiores, e neste caso o "jogar fora" é ainda maior.

O penúltimo escritório em que trabalhei, isso tem uns 10 anos, era um pouco diferente. Cheguei para fazer o levantamento - é assim que chamamos quando vamos ao espaço tirar as medidas - e muitas coisas eu nem quis medir, pensei comigo que as chefes com certeza iriam demolir, como armários de sanitários e cozinha. Mas para minha surpresa não. Elas mantinham até que muita coisa, tudo para diminuir os custos com a reforma. Sim, elas e o cliente pensavam apenas no dinheiro economizado e nunca no planeta.

Inclusive já vi reformas em que o profissional vedou as janelas para priorizar o ar condicionado. Nada substitui a iluminação e ventilação naturais. Nada mesmo. Nossos antepassados usavam muito bem estes recursos. Ninguém se preocupa mais em saber o lado norte do terreno, projetar para receber o sol em casa, ou no escritório não é prioridade.

As coisas estão mudando. Eu estou em constante transformação; e sempre que posso aproveito o que já existe na obra. Primeiro para não gerar lixo, segundo para ser mais rápido e terceiro para economizar dinheiro.

Mas o que fazer se o sonho do cliente é ter um piso de porcelanato bem brilhante? Retirar o piso original, que muitas vezes é até mais bonito, como no caso dos ladrilhos hidráulicos de um apto em Pinheiros que a cliente queria arrancar e colocar um revestimento atual. Naquele dia eu fiquei inconformada. Até conversei com minhas chefes, mas sempre ficamos naquela saia justa, a informação nos damos, mas a decisão final é sempre do cliente.

Desde o ano passado eu estou reformando duas casas, o que é muito raro. Normalmente chegam até mim apartamentos recém entregues pela construtora, ou seja, nem piso existe no local. Claro que é bem mais fácil fazer um projeto assim, partindo do zero.

Voltando as casas, por coincidência, as duas são da década de 80. Passaram por algumas reformas, mas alguns revestimentos estavam preservados. Na primeira os revestimentos da sala e dormitórios já haviam sido substituídos. A cozinha mantinha o piso e azulejo original, mas o segundo estava bem danificado, cheio de furos e marcas dos anos de casa alugada, em que cada inquilino instalava seu armário conforme o seu interesse. Minha primeira intenção era manter, mas a cliente não se animou muito. Sugeri então a pintura, assim geraria menos lixo, seria mais rápido e a aparência seria outra. Quando mostrei nos meus stories do ig, houve uma comoção geral, ninguém queria que eu pintasse os azulejos. Mas infelizmente tem coisas que fogem ao nosso controle. Inclusive quando tiramos a bancada da pia, não havia azulejos atrás dela. E você sabe quanto custa comprar estes revestimentos antigos em cemitérios de azulejos? Falarei sobre isso mais tarde.



No final a solução da pintura seria a melhor, ao meu ver é claro. Usamos azulejos de outras estampas que a cliente já tinha para preencher os vazios, pintamos tudo da mesma cor e ninguém diz que eles não nasceram assim, amarelinhos.

Conseguimos azulejos no mesmo tom do existente, mas alguns eram um
 pouco mais escuros, e isso não tem como mudar, os ônus e bônus 
de preservar o antigo, paciência.

Já no banheiro, mantivemos os azulejos da época, mas foi preciso trocar alguns, pois estavam quebrados. E neste momento descobri como comprar azulejos antigos é caro. Compramos também para a área de serviço. Já o piso da área externa estava bem desgastado e por isso a melhor opção foi colocar um porcelanato sobre ele, o famoso piso sobre piso.

O que me motivou a fazer este post, foi o piso de cerâmica São Caetano que existe na cozinha da segunda casa que estou reformando. O piso está bem ruim, cheio de gordura e a minha ideia inicial era cobri-lo. Nestes meses de obra não tive em nenhum momento a intenção de recuperá-lo. E na semana passada estava assistindo aos stories do Maurício Arruda - arquiteto que admiro muito - e justamente ele estava comentando sobre uma casa que mantinha este piso vermelho tão tradicional nas casas paulistanas. A fábrica já não existe, mas ainda podemos ver os famosos pisos de caquinhos em muitos lugares. Aliás eles se tornaram o carro chefe da fábrica, deixando em segundo plano o piso inteiro. 

                                
Fiz alguns vídeos mostrando o piso e marquei o Maurício Arruda, ele repostou e fez alguns comentários. Fiquei bem feliz!

Depois de ouvir isso parei para pensar, e cheguei a conclusão que eu não seria aquela profissional que destruiria parte da nossa história, cobrindo todo o revestimento. Ainda não tenho nada definido ainda, mas tenho ótimas ideias para ele.

Este post já ficou enorme e por isso vou parando por aqui. Logo mais farei outros, sobre assuntos relacionados a obra, a história...


















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